(7Letras, Rio de Janeiro, 2023)
“O que se faz com uma experiência que não faz sentido e não pode ser associada a qualquer outra? Uma experiência que nem ao menos pode ser compartilhada.”
“A verdadeira comunhão. O corpo não mais fronteira entre o eu e o mundo, mas ligação com outro corpo e dali com o mundo, corpo terra de ninguém, região difusa em que os limites do eu se dissolvem.”
“Quem perde o corpo, perde todos os direitos. A sociedade só reconhece corpos. Esta é uma conclusão óbvia, mas só agora Gregório se dá conta do quanto é violenta.”
“Depois de algum tempo será raro encontrar alguém que não conheça pelo menos um amigo que tem um primo que já esteve em Alfa Centauro ou já foi um canguru.”
Não é de hoje que a literatura brasileira aborda a alteridade animal. A tradição inclui desde a inocente conversa entre burros promovida por Machado de Assis numa crônica sobre a eletrificação dos bondes até a vertiginosa troca de olhares entre uma mulher e um búfalo criada por Clarice Lispector.
Neste A Hora do Gato, porém, João Paulo Vaz embaralha de vez as noções de humanidade e animalidade – não por acaso oito anos depois de ter ousado “atualizar” a metamorfose kafkiana em seu primeiro romance, Greg Sam.
Com imaginação e humor, o autor nos envolve em uma narrativa tão surpreendente quanto verossímil. A partir de um pressuposto inusitado, marca dos contos premiados de Vaz, acompanhamos a trajetória de Gregório, um homem que, ao completar 60 anos, vive o desalento e a solidão, além do fantasma de um pacto feito na infância com o irmão morto pela covid.
Graças à linguagem precisa e ágil como um gato, o leitor consegue sentir na pele (e no pelo) do personagem o seu duplo deslocamento: pela cidade do Rio de Janeiro, que também se metamorfoseia, e por outra forma de existir no mundo.
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